Valor Absoluto por Paulo Correia - Ouvir as Medalhas...
A notícia mais importante para a comunidade matemática chegou, como esperado, em agosto, apesar de, por cá, ninguém ter dado muita importância ao assunto. Refiro-me naturalmente à entrega da Medalha Fields a quatro (jovens?) matemáticos - uma espécie de prémio Nobel... só que melhor!
Esta atribuição das medalhas Fields poderia ter sido observada sob vários aspetos interessantes, como o facto de pela primeira vez ser atribuída a uma mulher (e logo a uma natural de um país onde o género não é, de todo, uma variável sem relevância)… ou pela primeira vez ser atribuída a um sul-americano (e logo dos que falam português)... ou pela primeira vez ser atribuído a um Austríaco… ou pela primeira vez atribuído a um matemático de ascendência indiana… ou ainda do facto de um matemático português ter comentado esta notícia para a BBC...
Contornando o aprofundamento de análises de âmbito menos matemático, bem como as análises de âmbito mais matemático como as áreas de investigação dos quatro medalhados, podemos procurar indícios das conceções associadas ao ensino da matemática que foram sendo apontadas pelos premiados:
Numa entrevista, Maryam Mirzakhani, aponta uma aprendizagem da matemática sustentada na resolução de problemas como um factor relevante para explicar o seu sucesso… mais do que avançar rapidamente para os conceitos mais “avançados” («we were more focused on problem solving rather than taking advanced courses»).
Artur Avila defendeu numa entrevista de 2009 que um ensino baseado na repetição promove a falta de interesse pela matemática («um monte de regras abstratas e depois aplicar aos alunos uma série de exercícios repetitivos. (...) Isso é muito chato.»)…
O desenvolvimento de atitudes positivas em relação à matemática é o conselho que Martin Hairer dá aos jovens matemáticos («The first thing they should honestly asses is what are the things that they like to do. I think they should really work on the things that they actually like and enjoy»).
Mas Manjul Bhargava, foi mais específico no seu entendimento do ensino da matemática, deixando três sugestões concretas:
- para além da ciência, as aulas de matemática devem ser enriquecidas com artes;
- os alunos não devem resolver as tarefas numa abordagem robótica - o processo de descoberta é o mais importante;
- a matemática deve ser interativa e colaborativa, os alunos devem trabalhar em conjunto.
Segundo Bhargava, é assim na investigação em matemática, e deve ser assim na sala de aula.
(«- Maths problems should be motivated not just through the sciences, but also through the arts: puzzles, toys, magic, poetry, music - these should all form a key part of the mathematics classroom.
- Students should not be taught to solve problems in a robotic way; instead, they should be guided to discover key mathematics ideas on their own. Maths should be a creative exciting process of discovery!
-Maths should be interactive and collaborative. Students should be encouraged to discover things together, and work together.
This is how mathematics research is, and so this should be reflected in the classroom!»)
Ideias como estas para a definição do curriculo e da concepção do processo de ensino e aprendizagem têm sido classificadas de forma depreciativa como “românticas”. Pretendeu-se sustentar que um curriculo centrado na resolução de problemas era pouco estruturado, pouco ambicioso e facilitista. Alguns defendem mesmo o mérito de tarefas com ênfase na repetição como a chave para o sucesso, ou as vantagens de chegar depressa a “patamares mais avançados” para conseguirmos preparar melhor os melhores alunos…
Afinal, as evidências parecem sustentar que estes matemáticos (jovens e de mérito reconhecido) estão de acordo com os investigadores em educação matemática… são medalhas merecidas!